45 dias de norte: dois punks brasileiros sem dinheiro pela Europa – dia 27

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Em 2012, fiz uma viagem sem muito dinheiro junto com um amigo pela Europa, abusando de hospedagem solidária, comida barata, comida grátis, comida do lixo e de vez em quando comida boa.

Na época, escrevi um diário, agora publicado dia por dia neste blog.

Dia 27 – Areia, limão e sal

Incrivelmente nem acordamos tão tarde, era umas 10h ainda. Tomamos um banho pra diminuir a dor de cabeça, comemos e corremos pra pegar a oficina de autodefesa mista, que era às 11h. O camping já tava naquele ritmo de fim de evento, um monte de barraca faltando, outras desmontadas, pessoal indo embora já. Pegamos o funiculaire bem vazio e desembarcamos lá embaixo sem entender direito onde era a oficina. Nisso passou um cara fazendo cooper querendo ajudar, mas nem rolou porque nem ele conseguiu nem a gente soube se deixar ajudar. Escolhemos um lado da rua e fomos. Demos sorte e achamos o dojo onde seria a oficina.

Quem tava lá? Ari e os bascos, hehehe. A oficina seria dada por uma mexicana mestra em brazilian jiu-jitsu e membra do coletivo de MMA anarquista mundial, seja lá o que isso for. Ela precisava de voluntários pra traduzir pro inglês e lá fui eu. A oficina foi bem interessante, deu pra sacar uns movimentos legais, espero que nunca precise usá-los. Tinha uma menininha francesa sem par, uns 8 anos, pra fazer as atividades, virei eu a cobaia. Muito engraçada ela, hehehe. Como tinha a entrevista pra rádio às 13h, saímos antes do fim.

Não sabíamos direito onde era a entrevista, então descemos pra patinoire pra ver se era lá. Não era, mas aproveitamos pra coletar o dinheiro da venda das camisetas e trocar a bandeira da República da Espanha por outra – pegamos uma do arco-íris (que me lembrou a caneca que vi lá na livraria queer de Estocolmo: I’m gay but I really don’t like rainbows[1]). Encontramos a Mix, que também tava indo pra entrevista, que seria no Espace Noir. Corremos pra lá, passando pelos cariocas e arrastando o Nelson e a Bia junto.

Estávamos: Mix do Ativismo ABC, Adriano da Biblioteca Terra Livre, Allan e eu do Auto/Casa Mafalda e a Bia e o Nelson da OATL. A Raquel participou fazendo a tradução. Tivemos quase uma hora pra falar, e cada um falou um pouco. Antes de começar, o Pierre, da rádio, que já jogou num time que ele ajudava a organizar chamado FC Bakounine, perguntou nossos nomes, e o da Bia (que chama Beatriz) ele anotou “Beatrish”, graças ao carioquês, hehehe. Falamos sobre o que fazemos, nossas impressões do evento, e ficamos sabendo que iria passar na rádio todas as segundas-feiras de setembro, às 16h de Paris. Agora é lembrar de ouvir[2].

Allan, Mix e eu, que não tínhamos almoçado, corremos de volta pra patinoire pra comer. Chegamos lá e ainda tinha rango, além de um anúncio de que as contas da cozinha estavam em 8 mil euros negativos. Doei mais 20 euros e comemos bastante. Já era perto de 14h, e rolaria a plenária final, então subimos pra Salle de Spetacle e encontramos os bascos. Eles tinham tentado entrar e tava muito cheio, então ficamos trocando uma idéia com eles. Fui dar uma olhada nas reclamações e tinha uma pior que a outra, muito “classe média sofre”. Entramos e fui trocar idéia com um escocês que tava sentado junto com o Marquinho, explicando o boato de uma briga que rolou no camping dois dias antes. Um cara ficou muito louco, começou a ser agressivo com a companheira, bateu nela, pessoas foram intervir, ele tentou bater em outros, conseguiram segurar ele. Como era de madrugada, esperaram até de manhã, fizeram ele arrumar as coisas, levaram lá pra baixo, enfiaram num trem e disseram “au revoir”. A companheira… foi junto, por vontade própria, apesar de terem tentado convencê-la a não fazer isso.

A última palestra que queríamos ver, depois da plenária final ainda, era sobre o magonismo no México. Como era ali mesmo, ficamos zanzando até a hora dela. Entramos pra assistir, a primeira que não estava mega lotada, mas era mais uma fala informativa do que era o magonismo, então cansei e saí. Enquanto isso ficamos pensando em uma idéia de oficina de futebol e gênero, já que no futebol do dia anterior nenhuma mina apareceu pra participar, e as que convidamos não quiseram entrar na quadra. Na saída, a cerveja artesanal tava a preço livre, e as pessoas que não tinha descido as barracas ainda (como nós) subiram pra fazer isso. Iríamos dormir todos no apartamento do Calvino. Pegamos uma cerveja e subimos. No funiculaire rolou uma disputa de músicas italianas.

Desmontamos e guardamos tudo, porque precisávamos pegar o funiculaire das 20h25 (depois desse, só às 23h30). Ainda deu tempo de bolar unzinho. Descemos, não encontramos o resto do pessoal e deixamos as mochilas e barracas na Salle de Spetacle pra descer pra patinoire e comer. Não tinha mais janta, então comemos pão… e molho de tomate, era tudo que tinha. O resto das pessoas tava lá, e subimos com eles cantando. Chegando lá em cima, resolvemos guardar as malas no Calvino. Fizemos isso e voltamos pra Salle de Spetacle, onde estava rolando a última banda do evento, um tipo de música celta com punk rock com música eletrônica animadaça, uns tiozinhos tocando, todo mundo dançando um monte. Como era pago, não entramos, e uma mina que nos reconheceu da noite anterior veio falar conosco pra tocarmos depois lá embaixo, na festa não-oficial de encerramento. Perguntou se a gente era uma banda. Dois minutos antes, não me lembro como, estávamos falando de sexo anal, e a basca não entendeu direito o que alguém tinha falado (era sobre lubrificação, provavelmente por conta do Catra falando “dei três cuspidas pro meu pau entrar” na música do “Mamaaaa”) e tentaram explicar que pra sexo anal tinha que passar “Arena, limão e sal”, assim num portuñol lindo. Quando a mina perguntou, então, claro que falamos que éramos uma banda e que o nome era Arena, Limão y Sal. Pronto.

Excitados com a idéia de repetir a zona da noite anterior, alguns entraram em polvorosa. Allan perdeu as estribeiras e quando alguém apresentou um maluco da Bielorrússia ele já saiu dizendo que o cara tinha uma arma de ouro (o ditador bielorrusso deu uma arma de ouro pro filho), depois falou em “golden cock”, e o cara se envergonhou e saiu. Éramos oficialmente animadores de festa, hahaha. Fomos lá pra fora, pra pracinha, onde seria a festa, mas resolveram abrir a porta da Salle e vimos o final do show da banda celta/punk/eletrônica. Nisso nos disseram que tocaríamos NO PALCO, depois daquela banda. Hahahaha, seria o máximo da malandragem carioca. Só que não tínhamos instrumento, NEM ÉRAMOS UMA BANDA, e decidimos tocar embaixo, não no palco. Começou devagar lá embaixo, então saímos de volta pra pracinha.

Lá já tinha uma galera tocando, e nos juntamos a eles. Marquinho no violão, um bósnio que tocava muito na percussão, um cara no violino tocando qualquer coisa pra ele mesmo, muito engraçado, e o português no ukulelê fingindo que tocava. Não foi muito animado, galera bem cansada, ninguém tirou a roupa, pra frustração dos bascos e da Ari. Beto e Allan foram dormir, uns caras começaram a cuspir fogo. Passou um tempo, me cansei e fui dormir também. No apartamento do Calvino, tava Beto num sofá, Allan no outro e Jéssica, acordada, no colchão. Ela me deu um sleeping bag, conversamos um pouco, e não lembro porque, tempos depois, ela foi dormir no quarto do Calvino, acho que pra dar espaço pro resto que ainda tava na festa. Aí eu fui pro colchão e capotei, e quando acordei no meio da noite tinha a Raquel dormindo comigo e mais uma pá de gente em volta, tomei um sustinho.

Tinha acabado o encontro, bem menos político do que o imaginado, bem mais festival de rock, com problemas na tradução e na profundidade dos debates, na tomada de decisões e na organização. Mas muito louco pra conhecer uma pá de gente e coisas que acontecem pelo mundo e voltar pro Brasil cheio de idéias e de ânimo renovado pra tocar Casa Mafalda, Auto e uns projetos novos que devem surgir em breve.


[1] Sou gay, mas realmente não gosto de arco-íris.

[2] Não lembramos.


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